Como a maconha age no corpo?
Quando falamos em maconha e seus efeitos temos que pensar de qual variedade da planta e/ou produto derivado estamos falando e qual o método de administração empregado. Hoje em dia são inúmeras variedades genéticas de cannabis, cada uma com uma combinação e proporção específica de fitocannabinóides. São mais de 100 princípios ativos produzidos exclusivamente por plantas de cannabis que hoje em dia servem como matéria-prima para uma infinidade de medicamentos e produtos farmacêuticos. A proporção de um ou outro fitocannabinóide vai interferir também nos efeitos no organismo. Vamos usar os exemplos do THC e CBD, os dois mais ativos e mais conhecidos, para ilustrar a variação de alguns dos efeitos dos fitocannabinóides de acordo com a proporção. O THC tem efeito antidepressivo, causa agitação física e mental, em doses muito elevadas pode provocar euforia e até ansiedade. O CBD é ansiolítico, diminui as tensões musculares e causa relaxamento físico e mental e sonolência. O CBD ajuda a modular e controlar os efeitos do THC e vice-versa. Além disso, eles podem interagir com os outros fitocannabinóides para produzir diferentes efeitos de acordo com a amostra de erva ou derivado específica.
Por isso para poder entender melhor os efeitos da cannabis no organismo sempre é importante procurar entender os efeitos dos fitocannabinóides e qual a proporção de cada um na amostra genética que estamos querendo analisar. Os efeitos da cannabis podem variar não apenas de acordo com a proporção dos princípios ativos, mas também com o método de administração empregado. Abaixo vejamos algumas partes do corpo e algumas das maneiras mais comuns de administração de cannabis e derivados e os respectivos efeitos.
Coração e Sistema Cardiovascular
A cannabis, especialmente as com alta concentração de THC, podem provocar o aumento dos batimentos cardíacos, principalmente em pacientes com predisposição à esse sintoma ou que tenha ansiedade. Por outro lado a cannabis diminuir a pressão sanguínea devido ao seu efeito de dilatar os vasos sanguíneos o que acaba provocando a vermelhidão nos olhos, o rubor facial em pessoas com pele muito branca. Pacientes com tendência a pressão baixa devem evitar o uso de cannabis ou se medicar com extrema cautela. Essa capacidade de aumentar a dilatação dos vasos é também a responsável por diminuir a pressão intraocular e com isso aliviar o principal sintoma do glaucoma.
Pulmões e Sistema Respiratório
A cannabis em si não atua nos pulmões ou no sistema respiratório, porém essas são algumas das áreas mais afetadas atualmente por seu uso. Como dissemos mais acima, não apenas os princípios ativos e seus efeitos, mas especialmente o modo de administração da erva e seus derivados influenciam nos efeitos no organismo humano. Atualmente já sabemos que da erva inalada após combustão não é a melhor maneira de consumir o medicamento e tais técnicas de absorção de princípios ativos não são mais consideradas indicadas para fins medicinais. Porém a maioria das pessoas que faz uso recreativo de cannabis ainda consome a fumaça da erva inalada. Esse tipo de hábito pode provocar sérios danos à saúde dependendo da frequência com que é realizado. A ingestão de fumaça de qualquer tipo pode provocar câncer e outras doenças nos pulmões e/ou nas diferentes partes do sistema respiratório. Hoje em dia já existem muitos outras maneiras mais eficientes de administrar os princípios ativos no organismo humano.
Memória e Psique
Durante anos se afirmou de maneira equivocada que o uso da cannabis matava células cerebrais. Esse foi um dos mitos criados por uma das maiores distorções de dados produzidos por estudos científicos. Na década de 1970 um estudo foi realizado com macacos usando uma metodologia que posteriormente foi condenada a jamais ser reproduzida. Obrigaram os animais a respirarem unicamente fumaça da queima de erva de cannabis durante mais de 1 hora, o que obviamente provocou o sufocamento por dióxido de carbono e a consequente morte dos cobaias. Durante décadas políticos e jornalistas inescrupulosos afirmaram que a morte dos animais era a prova de que a cannabis matava células cerebrais e essa afirmação foi reproduzida durante décadas e até os dias de hoje muitas pessoas acreditam nisto.
Hoje sabemos que a cannabis de fato tem uma influência complexa nas funções relacionadas com a capacidade humana de reter informações. Porém, de modo algum podemos afirmar que os efeitos da cannabis sejam prejudiciais à memória. O que sabemos é que não é recomendável estar sob efeito de cannabis para aprender novas informações ou estudar (fixar algo na memória que deverá ser usado posteriormente). Mas ela não afeta as informações que já estão registradas e alguns estudos apontam que seus princípios ativos podem inclusive ter a capacidade de atuar como neuroprotetores.
Temperatura do Corpo e Metabolismo
De um modo geral a cannabis acelera o metabolismo e é por isso também que causa como efeito colateral uma fome aumentada. Ao mesmo tempo, muitas pessoas sentem uma diminuição da temperatura corporal, o que pode ajudar a suportar ambientes mais quentes e também a lidar com situações de febre.
Dependência e Humor
De todos os princípios ativos o único que é psicoativo, ou seja, que faz efeito sobre o humor, a percepção ordinária da realidade é o chamado THC. O THC, em doses controladas, em sinergia com o CBD e outros fitocannabinóides medicinais tem sido utilizado, entre outros motivos, por sua ação terapêutica de melhorar o humor de pacientes em quadros depressivos. Por outro lado, como todo medicamento, ele pode causar tolerância e algum nível de dependência em alguns pacientes. Porém o quadro de dependência por cannabis e derivados é muito mais fácil de lidar do que qualquer outra substância ou medicamento semelhante.
Extratos de cannabis descarboxilado ou cru?
Nem toda cannabis faz a cabeça. Existem inúmeras variedades de cannabis que naturalmente ou por seleção humana hoje em dia não produzem mais do que 1% de THC. Além disso, mesmo as variedades que produzem grandes quantidades de THC, produzem na verdade THC ácido, ou o chamado THCA, que é uma versão não-psicoativa do famoso THC, que ainda não foi ativada por descarboxilação. A descarboxilação ocorre em temperaturas acima de 100 graus centígrados. Geralmente as pessoas que fazem uso recreativo da maconha não se dão conta, mas sempre descarboxilam a erva para poder transformar THCA em THC. Isso é feita na brasa do baseado ou cachimbo, ou qualquer outro método de combustão. A temperatura elevada faz com o que o THCA encontrado na planta in natura, ainda crua, se transforme em THC e com isso fique disponível de forma psicoativa. Sem a descarboxilação a cannabis e os produtos derivados não são psicoativos e podem ser consumidos sem qualquer risco desse efeito colateral. Hoje em dias muitos pacientes têm optado pela cannabis em sua forma crua justamente para não ter que ativar o THC. Dessa maneira é possível aproveitar todos os efeitos medicinais da cannabis sem o risco de “chapar”.
*Sergio Vidal é pesquisador, escritor, ativista, redutor de danos e pai dedicado de uma linda menina de 5 anos. Biografia completa no link: http://sergio-vidal.blogspot.com.br/p/sergio-vidal.html
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