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História da Maconha no Brasil e no Mundo Parte I


O Brasil é um país relativamente jovem, com pouco mais de 500 aos de história oficial. Digo “relativamente jovem” porque, ao compararmos o período de existência do país com a da relação dos seres humanos com a cannabis, por exemplo, percebemos que nossa participação é apenas uma fração de toda essa história. Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil por volta de 1500 a cannabis já era antiga conhecida dos humanos e muito já havia ocorrido. Diferentes grupos nômades e civilizações humanas já faziam uso da erva há mais de 12.000 anos e já havia inúmeros usos para o vegetal nas mais variadas culturas espalhadas em todo o mundo.

Raízes do cânhamo brasileiro

Na verdade, quando os portugueses chegaram ao Brasil pela primeira vez, a pouco mais de 500 anos, o cânhamo, nome dado a erva quando cultivada para fins industriais, era uma das principais culturas em diferentes países em todo mundo. Não apenas isso, direta ou indiretamente, o cânhamo e seus derivados eram produtos base para grande parte da economia da época e muitos historiadores defendem que graças a alguns usos específicos do cânhamo alguns países puderem obter uma superioridade tecnológica o que deu-lhes uma vantagem sobre outras nações, dando início ao período chamado de expansão marítima. Até o séc. XV, a maior parte das embarcações eram movidas a remo, exigindo um grande número de pessoas para produzir uma quantidade muito pequena de energia, quando comparada a outras tecnologias, possibilitando apenas a navegação de médias e curtas distâncias. A chamada navegação ultramarina, que possibilitou o período denominado pela historiografia de “expansão marítima”, só foi possível graças ao desenvolvimento do uso de velas para impulsionar as embarcações. Isso só ocorreu não apenas devido o desenvolvimento das técnicas de navegação, mas especialmente por conta do uso de fibras vegetais que aguentassem as condições especialmente desgastantes. As fibras usadas na composição das velas tinham que aguentar não apenas as forças dos ventos, mas também o poder corrosivo da água salina do mar. Além das velas, todas as cordas e tecidos utilizados no navio também tinham que ser feitos com a mesma resistência.

Nessa época e até os dias de hoje as únicas fibras vegetais com as características adequadas para aguentar essa tarefa eram as extraídas da cannabis sativa, na época chamado cânhamo de cannabis. Apesar de ter alcançado seu ápice de importância econômica no séc. XV o cânhamo foi introduzido em Portugal ainda pelos romanos e desde o séc. VIII passou a ser uma cultura básica não apenas nesse país, mas em toda a Europa. Segundo o Tratado sobre o Cânhamo, publicado em 1799 em Portugal: “Além do uso que antigamente se fazia do cânhamo para têas, fios e cordas, fabricava-se também ainda grande quantidade de obras de grande consumo, como fios, redes, linhas de pescadores, laços de caça, cordões, silhas, escadas, pontes, calçados, vestidos, capacetes, escudos, cota de armas, urnas, cestos, cabos e apprestos de navios, papéis, papelões”, dentre outros. Desse modo, podemos concluir que não apenas as tecnologias que proporcionaram a descoberta do Brasil dependiam diretamente da cultura do cânhamo e sua indústria, mas grande parte da civilização europeia da época dependia de produtos que tinha o cânhamo como matéria-prima. Na verdade, até a descoberta e popularização das fibras sintéticas no início do séc. XX toda a economia e industria têxtil era baseada em grande parte do uso do cânhamo puro ou em combinação com outras fibras e não apenas as fibras da erva eram utilizadas, mas também suas sementes, cujo óleo nutritivo servia como alimento e combustível para as lamparinas. A planta era base econômica de diferentes setores, incluindo medicina, industria têxtil, alimentação, dentre outras áreas importantes das sociedades da época.

A chegada da maconha ao Brasil

Durante muitos séculos a historiografia oficial brasileira atribuía às populações afrodescendentes a responsabilidade pela introdução da cannabis em território brasileiro. Isso se deveu especialmente à campanha de criminalização do uso da erva que promoveu a associação entre o uso da maconha e as camadas populares urbanas negras e afrodescendentes, realizada especialmente no início do séc. XX. Nesse período, diferentes artigos científicos e jornalísticos de cunho eugenista criaram no imaginário populara ideia de que o uso da maconha era um hábito das populações negras e afrodescendentes e, além disso, que tal costume levaria ao adoecimento físico e/ou moral, em casos extremos levando os indivíduos a loucura, morte ou comportamento criminoso/violento.

Haviam realmente muitas pessoas entre a população negra e afrodescendente que faziam uso da cannabis, mas eles não eram os únicos e, apesar dessa associação ter sido tão fortalecida que permaneceu até os dias de hoje no senso comum, de fato foram os colonizadores portugueses quem trouxeram a cultura da maconha para o Brasil, proporcionando com que ela se espalhasse por todo o país. Desde o início da colonização a Coroa passou a cultivar e selecionar diferentes tipos de plantas e animais com o intuito de buscar o melhor tipo de exploração comercial para a Brasil. Nesse período fazia parte deste projeto utilizar a colônia como sede da plantação de cânhamo que supriria as necessidades de toda a Marinha da Coroa Portuguesa, garantindo independência dos suprimentos de cânhamo.

Em 1783, o Império Lusitano instalou no Brasil a Real Feitoria do Linho-cânhamo (RFLC), uma importante iniciativa oficial de cultivo da planta para fins comerciais. Nessa época, a demanda por produtos à base de cannabis era alta em toda a Europa e os produtores não conseguiam atender essas demandas. As primeiras fazendas e benfeitorias foram instaladas no sul do país, em regiões que atualmente pertencem ao estado do Rio Grande do Sul. A partir daí, o Estado passou a importar sementes da Índia e Europa, traduzir manuais de cultivo e produção e investir na adaptação climática de variedades da planta. Os Hortos Botânicos Imperiais passaram a trabalhar selecionando as gerações das plantas mais adaptadas e enviando relatórios entusiasmados sobre o desempenho das plantas em solo nacional. Há notícias que empreendimentos do mesmo tipo ocorreram também em regiões onde hoje ficam nos estados de Santa Catarina, Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, dentre outros. Foi portanto a Coroa Portuguesa em empreendimentos oficiais o grande responsável por semear e cultivar cannabis em todo Brasil.

Durante séculos o cânhamo de cannabis teve uma importância tão central para a economia e a sociedade de quase todos os povos do mundo, mas é difícil transmitir qual foi o real significado disso para as gerações atuais. Sua importância era da mesma proporção que o petróleo tem atualmente para os transportes, ou que a energia elétrica tem para o setor energético, que a internet tem para as telecomunicações, etc. Hoje começamos a contar um pouquinho da história dessa planta, especialmente aquela relacionada com nosso país, mas essa história ainda continua e tem muitos capítulos interessantes!

*Sergio Vidal é pesquisador, escritor, ativista, redutor de danos e pai dedicado de uma linda menina de 5 anos. Biografia completa no link: http://sergio-vidal.blogspot.com.br/p/sergio-vidal.html

* Picture by @_swiss_stoners_ (Instagram)

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