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Quais seriam os impactos da legalização da maconha no Brasil?


Antes de iniciarmos qualquer discussão sobre o tema do título desse artigo devemos ter em mente dois aspectos importantes: 1) Legalização, regulamentação etc, são conceitos abstratos se não forem obrigatoriamente discutido em relação a alguma experiência concreta sobre o tema. Ou seja, existem inúmeras possibilidades de atuação legal, política etc dentro desses conceitos; 2) Mesmo que o Brasil adote políticas e leis legalizando a maconha idênticas às de outros países os resultados podem ser completamente diferentes pois cada país possui uma realidade singular em diferentes aspectos, seja social, econômica, cultural, político etc. O que quero deixar claro é que qualquer consideração feita na análise apresentada neste artigo é baseada em especulação teórica. Isso não significa dizer que não tenham validade, ou que não devamos mudar os rumos que estamos dando às leis e políticas sobre a maconha no Brasil. Significa que elas têm uma limitação baseada no fato de que somente a realidade concreta, ou seja, quando efetivamente implantarmos algum modelo de legalização e regulamentação no país, saberemos quais serão os reais impactos. Concordo plenamente que qualquer caminho que venhamos a tomar é desconhecido e bastante imprevisível, porém se por um lado desconhecemos o que de bom o imprevisível pode trazer, conhecemos muito bem o que de ruim temos no local onde nos encontramos atualmente e acredito que ninguém quer continuar da maneira como estamos.

Violência Urbana e Criminalidade

Da forma como a lei sobre a maconha está na atualidade, penaliza com 5 a 20 anos de reclusão as pessoas que cultivarem ou distribuírem maconha com intenção de lucro, prática chamada popularmente de “tráfico”. A lei atual, portanto, dá aos criminosos o monopólio do comércio de uma planta que foi e é tradicionalmente consumida por milhões de brasileiros em todo país e utilizada por diversas civilizações humanas há milênios. Atualmente o Brasil cultiva ilegalmente inúmeras toneladas de maconha em diferentes regiões do país, especialmente no Norte e Nordeste e importa do Paraguai mais de 80% do que é colhido por lá. Inúmeros grupos criminosos estão envolvidos em variados empreendimentos, uns mais organizados, outros menos, todos com objetivo de cultivar, preparar, transportar, armazenar ou distribuir a droga nas diferentes cidades brasileiras. É impossível calcular o volume de maconha e de dinheiro que circulam nesses circuitos. Mais difícil ainda é saber quem são os beneficiários, as pessoas que lucram com esse mercado clandestino que apenas se fortalece com a proibição, ao mesmo tempo que fortalece criminosos e promove corrupção em diferentes níveis. Em todos os países onde houve mudanças nas leis houve também um enfraquecimento do poder econômico dos criminosos devido à quebra do monopólio do mercado da maconha. Nos EUA, por exemplo, em pouco mais de 1 ano de regulamentação dos usos recreativos em alguns estados se notou uma queda de mais de 25% da importação de maconha ilegal do México.

É claro que o problema da violência urbana e da criminalidade não serão resolvidos totalmente com a legalização da maconha e seria muita ingenuidade pensar isso. Esses são problemas bastante complexos, multifacetados, com raízes históricas, culturais e políticas bem longas. Muitas outras medidas dos mais variados tipos precisam ser tomadas para efetivamente equacionar os problemas em questão. Porém, criar leis e regulamentos que quebrem o monopólio dos criminosos e permitam que sejam atendidas as demandas por maconha e derivados (seja para uso recreativo, medicinal ou outro) por estabelecimentos regulados e fiscalizados pelo estado será um grande passo nesse sentido. Como já afirmei, é impossível medir o volume financeiro que circula neste mercado, a única certeza é que atualmente somente criminosos dispostos a enfrentar peba de 5 a 20 anos de prisão é que têm a possibilidade de explorá-lo, tornando-o um dos principais meios de financiamento de outras atividades criminosas.

Ciência e Usos Medicinais

A cada dia, novos estudos têm descobertos compostos ainda desconhecidos da cannabis que isoladamente ou em interação com outros fitocannabinóides têm diferentes potenciais medicinais. Além disso, nova propriedades e métodos de utilização dos compostos mais conhecidos (THC e CBD) têm surpreendido cientistas e profissionais de saúde do mundo todo. Diferentes pesquisadores e especialistas concordam que está é uma das áreas do conhecimento que ainda têm muito que ser descoberta e aproveitada pelos humanos. Hoje a lei já prevê os usos medicinais e científicos, mas falta uma regulamentação. Já existem estudos conduzidos por brasileiros, mas são muito limitados devidos à excessiva burocratização do processo para obter autorização e realizar as pesquisas. A regulamentação plena dos usos da cannabis possibilitaria com que esses e outros cientistas brasileiros fizessem estudos e pesquisas, o que atualmente é lícito, porém é exigida uma burocracia que torna o procedimento impeditivo.

O mesmo ocorre com os usos medicinais, já previstos em lei, mas carente de regulamentação. Como já falamos em outros textos, há inúmeras aplicações para a cannabis no tratamento de doenças ou alívio de sintomas e milhões de brasileiros e brasileiras poderiam se beneficiar com uma regulamentação plena. A regulamentação facilitaria o cultivo e produção nacional, fazendo com que o acesso a extratos e medicamentos se tornasse uma realidade para os pacientes, atualmente reféns da importação a custos altíssimos, único procedimento regulamentado totalmente.

Saúde Pública

Com relação aos impactos na Saúde Pública existem dois tipos, para resumirmos a grosso modo: Impactos positivos e negativos.

Os impactos positivos viriam através dos usos medicinais da cannabis, feitos de forma planejada e bem administrada, em pacientes com alguma enfermidade ou sintoma que possam ser tratados com extratos ou medicamentos à base da erva. São medicamentos de baixo custo de produção que podem ser facilmente produzidos pelo próprio Estado ou por empresas privadas autorizadas contratadas para tal tarefa.

Os impactos negativos que eventualmente seriam gerados se restringiriam apenas ao uso recreativo da cannabis, parte muito pequena do potencial de uso da planta e seus derivados. Esses poderiam vir devido a usos indevidos (métodos de uso arriscados ou padrões de consumo danosos, ou mesmo consumo de erva de qualidade baixa ou contaminada com fungos ou pesticidas) ou pela síndrome de dependência que algumas pessoas podem desenvolver. Porém, políticas de saúde públicas voltadas para educação, informação dentro da perspectiva de redução de danos e riscos poderiam minimizar muitos esses fatores. Também é importante que a política que regulamente os usos da cannabis para fins recreativos também preveja os mesmos cuidados que a política do uso recreativo do álcool etílico e derivados têm nesse sentido. Os empresários envolvidos com o mercado dos usos recreativos da maconha também poderiam ser taxados e os impostos revertidos para o Sistema Único de Saúde.

Economia e Empregos

Inúmeros produtos podem ser feitos a partir de plantas de cannabis. Poucos sabem, mas a resina extraída das flores fêmeas da cannabis que possuí propriedades medicinais e psicoativas é apena um dos muitos produtos com valor comercial que podem ser produzidos com a erva. A resina em si é apena o primeiro passo para inúmeros produtos confeccionados para melhor aproveitar suas propriedades, desde medicamentos de diferentes tipos até cosméticos dos mais variados. As variedades não psicoativas da maconha, chamadas de cânhamo, também são utilizadas para extração de fibras e sementes que atualmente são usadas em diferentes tipos de indústria e servem como matéria-prima na fabricação de mais de 25.000 produtos variados, em países como China, Chile, Espanha, França, Rússia, EUA, dentre outros. A regulamentação plena dos usos da maconha poderia gerar inúmeros benefícios à economia tanto de investidores e empresários, como de profissionais da industria e da zona rural, já que é uma cadeia produtiva que envolve diferentes setores.

Judiciário e Sistema Penitenciário

A regulamentação da maconha, seja em qual modelo for, aliviará a carga de trabalho desnecessária de grande parte dos órgãos públicos envolvidos no Sistema Nacional de Política sobre Drogas. Policiais, promotores, defensores públicos, juízes e demais agentes do sistema poderiam se concentrar apenas em crimes graves. Atualmente o Brasil adota uma das legislações mais duras com relação à maconha e outras drogas, tanto é que um estudo promovido pelo International Drug Policy Consortium aponta que caso tivéssemos a mesma lei que os EUA, um dos países onde a legislação e políticas públicas são também bastante severas, teríamos 34% a menos de presos relacionados com maconha e se adotássemos a lei da Espanha essa redução seria de 69%. Segundo relatório do Departamento Penitenciário, hoje o Sistema Carcerário Brasileiro sofre com uma superpopulação com quase 400.000 pessoas a mais do que o número de vagas existentes nos presídios. O mesmo relatório afirma que nos últimos 8 anos houve um aumento de 520% no número de processos e prisões relacionadas com maconha e outras drogas, o que criou um volume de trabalho gigantesco para os Sistemas Judiciário e Penitenciário, que não têm conseguido dar conta da demanda, já que não ganharam nenhum investimento especial para acompanhar essas mudanças.

Fortalecimento do Estado Democrático de Direito

Para finalizar, é importante ressaltar que hoje existem diferentes maneiras de acessar informações científicas e históricas a respeito da cannabis, seus usos medicinais, seu papel na vida das diferentes sociedades humanas do passado e do presente e a forma como os políticos e autoridades têm lidado com a questão. É muito claro para qualquer cidadão um pouco mais informado que a proibição da maconha e a criminalização dos seus usos são um afronte ao Estado Democrático de Direito. Além de ter sido um erro histórico baseado em princípios racistas e eugenistas, como já vimos em outros artigos, a criminalização do uso da maconha fere diversos preceitos constitucionais e mantê-la no mínimo reforça a descrença que o povo brasileiro tem nas instituições do Estado. Diferentes países já adotaram políticas mais tolerantes com relação ao tema e a própria ONU já sinalizou que está caminhando para a construção de um consenso a respeito da regulamentação da cannabis em todo planeta. Esperamos apenas que o Brasil não seja um dos últimos países a adotar posturas mais avanças e que respeitem os direitos humanos e constitucionais sobre esse tema.

*Sergio Vidal é pesquisador, escritor, ativista, redutor de danos e pai dedicado de uma linda menina de 5 anos. Biografia completa no link: http://sergio-vidal.blogspot.com.br/p/sergio-vidal.html

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