Uruguai: três anos após a regulação há cultivos, mas governo não cumpre sua parte na lei
Há cerca de três anos, nosso vizinho Uruguai virou notícia no mundo ao regularizar a cannabis através de uma legislação que na teoria mais parecia um sonho: o consumo permitido nos espaços públicos, assim como o cultivo de seis plantas fêmeas por residência e a criação de clubes canábicos, além de garantir aos uruguaios acesso a 40 gramas mensais nas farmácias, entre outros pontos relacionados à indústria têxtil e medicinal.
Hoje, o que se vê nas “calles” e muitos parques uruguaios é um cheiro frequente de flores que parece não incomodar nem a polícia, nem as famílias que dividem estes espaços, já que é um hábito tolerado há décadas, tendo em vista que a descriminalização por lá ocorreu nos anos 70. Além é claro, de uma grande quantidade de lojas de artigos para fumar, cultivar, feiras, competições, e até mesmo um museu totalmente dedicado à planta, inaugurado em dezembro no coração de Montevidéu.
Mas isso não significa que a luta foi totalmente vencida por lá. Atualmente, a lei uruguaia não está sendo cumprida em sua plenitude e os movimentos relacionados à cannabis, inclusive o jornal El País em matéria recente, questionam o atual governo, já que a venda nas farmácias prevista inicialmente para o final de 2014 ainda não começou, o acesso à cannabis medicinal é burocrático e a indústria de cânhamo parece não avançar, mesmo com projetos apresentados e hectares aptos para cultivo.
Na opinião do representante da Federação Nacional de Cannabicultores do Uruguay, Julio Rey, trata-se de “uma falta de vontade política pasmosa” por parte do governo, já que o acesso à maconha nas farmácias seria positivo economicamente ao país, e também iria colaborar no combate ao tráfico, como previa o projeto aprovado em 2013, durante o governo de Pepe Mujica, que transmitiu o cargo ao colega de partido Tabaré Vásquez, conhecido por uma posição mais conservadora em relação à cannabis, dois anos depois.
Segundo Rey, bancos de sementes e investidores ligados à medicina canábica já procuraram o Uruguai, mas retrocederam em meio às exigências das autoridades uruguaias. “A burocracia e o moralismo da classe política através de seus ministérios freiam toda a intenção de gerar um trabalho genuíno, com mão de obra nacional”, explica o representante da federação, que entende que o país está perdendo uma grande oportunidade de competir no mercado da cannabis.
Quem necessita de medicamentos acaba tendo que recorrer a clubes e amigos, o que para Rey, deveria ser papel do estado, tanto o fornecimento, quanto a análise das sementes e níveis de concentração, já que há órgãos designados a isso no projeto.
Ele lembra que em 2013, ano da aprovação da lei, houve uma união muito grande da comunidade canábica uruguaia, com o tema sendo debatido com a sociedade através de marchas, campanhas, e atividades pontuais, que defendiam o direito ao cultivo, consumo e acesso à planta, seja de forma recreativa e medicinal, algo que na prática ainda não ocorre.
“A guerra contra a guerra às drogas não admite pausas”, sentencia Julio, deixando claro que 2017 será um ano de mais luta para os uruguaios, em meio às flores que não cessam de crescer nos terraços, e cultivos caseiros que parecem ser o pilar de lucidez em meio a uma lei que é aplicada pela metade.
Fontes: Entrevista Julio Rey, representante da Federação de Cannabicultores do Uruguai. El País - http://www.elpais.com.uy/que-pasa/cambio-que-todavia-verde.html
Imagens: http://media.elobservador.com.uy/; http://vww.lamarihuana.com/; Huffington Post