Uma lição de vida com Pepe Mujica
Na última quinta-feira, 24 de janeiro, saí de casa com o objetivo de encontrar José Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e o cara responsável por legalizar a cannabis no país, sendo o primeiro do mundo a realizar esse feito. Mujica, ou Pepe, como é carinhosamente chamado, foi o líder de muitas mudanças e fundamental para a vanguarda do direito às liberdades individuais no Uruguai. Ficou preso durante 13 anos durante a ditadura militar, cerca de 7 dos quais viveu em solitária.
Depois da presidência, Pepe continua a atrair a atenção do mundo nas redes sociais - e de quem o decide visitar pessoalmente - pela maneira como ele pensa e se coloca sobre questões importantes ligadas ao nosso mundo. Por isso, eu sonhava com o dia de poder acender um baseado ao seu lado para falar sobre a legalização da cannabis, e foi isso que aconteceu.
Pode parecer que rolou toda uma dinâmica para este encontro acontecer, que eu entrei em contato com algum assessor do Mujica, algum jornalista que pudesse fazer a ponte, mas a verdade é que foi muito simples. Decidi ir e fui. Nada como correr atrás dos sonhos.
Mas, deixa eu explicar melhor! Um dia, minha namorada chegou em casa falando que queria ver o Pepe, que já tinha pesquisado tudo e que ia cozinhar um bolo saudável para ele, escrever uma carta, alugar um carro e pronto. Como eu poderia falar não? Ela estava colocando em prática tudo que eu mais acredito em vida.
Meio descrentes, com o carro alugado, Google Maps na mão, uma cestinha com um bolo de banana sem açúcar, bem natureba, fomos em direção à casa de José Pepe Mujica. Logicamente, fui apreciando muita cannabis da região no caminho, queria estar o mais "elevado" possível, no bom sentido da palavra, para falar com o Pepe.
Chegamos em um lugar no meio do nada, com estradinhas de terra, animais soltos, casas sem muito conforto. O silêncio era enorme, e o que se ouvia mesmo eram os animais, os passarinhos e uma paz que era difícil de encontrar mesmo.
Quando nos aproximamos da casa do Pepe, vimos uma barreira, bem de boa, na frente da casa. Barreira é um exagero, na verdade, era apenas uma placa de pare e alguns contêineres com alguns “policiais”. Dissemos que gostaríamos de falar com o Pepe Mujica e a resposta foi a de que ele não estava recebendo visitas, inclusive acabaram de negar o mesmo a um casal de brasileiros que viajava em uma Kombi. Bom, já que estávamos lá, paramos para conversar com o casal.
Papo vai, beck vem, algumas horas depois, ainda na guarita, chega mais um casal, dessa vez de peruanos, na mesma busca que a nossa. A roda aumentou ainda mais pouco depois, com Alvaro, vizinho e amigo de longa data da Mujica, que disse que ele costuma sair de casa às 16h para fumar um cigarrinho, já que a esposa não gosta de tabaco em casa. Recomendou que a gente esperasse mais um pouco.
Em determinado momento, Alvaro pegou um celular bem velho, ligou para um número e falou algo como "tem um pessoal buena onda do Brasil aqui e eles gostariam de falar com o Pepe". Eis que, um tempo depois, o Pepe apareceu. Sentou-se em um toco de madeira, com um cigarro na mão. No momento que isso aconteceu, eu já tinha fumado um total de quatro baseados, então, quando eu ouvi o guarda nos chamando, uma descarga de adrenalina veio no meu corpo inteiro e saí correndo com a câmera gravando. E quando finalmente vi aquele velhinho gente fina e muito muito foda, que parecia meu avô, sentado e esperando a gente para um bate papo, fiquei emocionado.
Achei que a conversa levaria o tempo do cigarro, e como eu queria saber sobre cannabis, logo fiz a pergunta sobre a legalização, que ele respondeu com uma maestria e tão profundamente que senti que, em uma única pergunta, o dever foi cumprido. A questão da cannabis para Pepe Mujica é bem simples: o ser humano é livre, ele precisa ter liberdade para fazer o que bem entender com seu corpo. Porque se uma pessoa quer fumar maconha, ela vai fumar maconha e não existe nada que vá impedi-la. Ele pontuou que o número de consumidores de cannabis no Uruguai é expressivo e a motivação principal para a legalização da erva é tirar o mercado ilegal dessa relação, porque é agressiva e causa criminalidade. A legalização é uma forma de investir o valor desviado do tráfico em outras instâncias e, segundo ele, não faz o menor sentido manter a guerra às drogas, simplesmente porque não funciona. Pepe ainda teve a integridade de dizer que o tabaco que estava fumando causava mais mal a saúde dele do que o meu baseado que, logicamente, eu pedi licença para acender.
Durante uma hora e meia, conversamos com ele sobre o consumo de outras substâncias, sobre a guerra às drogas, sobre questões ideológicas ligadas a criminalização das drogas, como a história da papoula na China, sobre questões ligadas à América Latina, sobre o Lula, o aborto, a religião, sobre Deus, inteligência artificial, robôs, mundo digital, nova economia e sobre todas as questões que estão acontecendo no Brasil hoje. Mas, mais que tudo, foi sempre uma conversa sobre a liberdade que nós temos como seres humanos.
Posso dizer que nunca aprendi tanto em tão curto período de tempo, saí tocado de uma forma por aquele encontro e até hoje estou tentando entender tudo que rolou. Porém, duas coisas que ele compartilhou de maneira muito clara e que gravei na memória. A primeira é que quando a gente compra algo, não está comprando com dinheiro, e sim com o tempo que gastamos para ganhar o dinheiro que vai pagá-lo, e a única coisa que não se pode comprar em vida é tempo. A outra é que a evolução da Humanidade não é uma linha contínua, é em altos e baixos, e medir nossas evoluções como uma crescente é um tremendo erro… saí com a sensação de que minha visão sobre a vida mudou.
Nessas horas, a gente percebe que às vezes realizar nossos sonhos é uma questão de escolha. Eu gravei tudo que podia e vou compartilhar no Ganja Talks nas próximas semanas, em diversos vídeos.
Qual é o próximo sonho? Muitos…