Por que o empreendedor canábico deve compreender a importância da ANVISA?
A eleição do presidente Jair Bolsonaro foi um grande balde de água fria para aqueles que tinham a esperança de ver o plantio e a comercialização da cannabis regulamentados no país. Mas será que há mesmo motivos para descrença? É crucial entender o papel da ANVISA nessa história. Ganja Talks faz o alerta: as coisas estão melhores do que poderíamos imaginar.
Anvisa, Cannabis e Regulação
A ANVISA é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde.
A agência exerce o controle sanitário de todos os produtos e serviços (nacionais ou importados) submetidos à vigilância sanitária como, por exemplo, os medicamentos.
Além disso, a ANVISA é responsável pela aprovação dos produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, para posterior comercialização, implementação e produção no país.
E é por isso que precisamos ficar atentos.
A ANVISA não precisa do aval do governo ou do Congresso para regular o cultivo de maconha/ cannabis para fins medicinais e científicos.
A legislação atual é muito clara quanto a isso. A lei de drogas (11.343/06) prevê expressamente a competência da ANVISA para esse fim.
E a agência já tem uma proposta de regulação do cultivo e da produção de medicamentos à base de maconha/ cannabis.
Participação da sociedade: consulta pública
No dia 14 de junho, a agência realizou duas consultas públicas.
Uma das consultas trata dos requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta por empresas farmacêuticas, para os fins medicinais e científicos.
A outra trata dos procedimentos para o registro e o monitoramento de medicamentos produzidos à base de maconha/ cannabis e seus derivados.
O objetivo da ANVISA com as consultas é o de favorecer a produção nacional de terapias feitas à base de maconha/ cannabis para assim permitir a ampliação do acesso aos medicamentos pela população.
A ANVISA tem ciência da necessidade de agir, diante do relevante problema causado pela situação regulatória atual: as dificuldades relacionadas ao acesso dos pacientes ao uso medicinal seguro da maconha/ cannabis.
Um amplo estudo realizado pela agência concluiu que a manutenção da situação atual poderá levar ao agravamento das consequências apresentadas, tais como: judicialização, aumento da demanda para autorização de importação de produtos e a dificuldade de acesso a produtos registrados.
A ANVISA, nesse estudo, identificou que muitos pacientes que poderiam se beneficiar do uso da cannabis acabam não tendo acesso ao medicamento, devido à dificuldade de acesso e também ao alto custo dos tratamentos, que poderiam ser consideravelmente reduzidos com a produção nacional.
No Brasil, hoje, há apenas um remédio à base de maconha/ cannabis que tem a produção autorizada no país. É o Mevatyl (conhecido no exterior como Sativex). Uma embalagem custa R$ 2500,00.
Apesar dos altos custos, o aumento da demanda por tratamentos à base de cannabis é evidente: em 2016 a agência recebeu 901 pedidos de autorização excepcional de importação, em 2018 foram 3330. Um considerável acréscimo de 270%.
O atual processo regulatório pretende criar regras claras e transparentes para o plantio de maconha/ cannabis no país.
A questão é uma das prioridades da Agência, presente na Agenda Regulatória 2020. O estudo incluiu a avaliação de modelos de regulação relacionados ao cultivo, à produção e ao registro de medicamentos em países como Canadá, Portugal, Israel e Estados Unidos.
As propostas regulatórias da ANVISA para o plantio da maconha/ cannabis
A primeira consulta pública foi sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da cannabis no país.
As diretrizes da agência reguladora para a questão do cultivo são:
Assegurar a disponibilidade da medicação no país e garantir o controle;
Limitação e supervisão do crescimento do cultivo;
Viabilizar o atendimento à compromissos internacionais.
E a proposta da agência reguladora, para o cultivo:
Cultivo em sistemas de ambiente fechado por pessoa jurídica;
Venda e entrega somente para: (1) insttiuições de pesquisa; (2) fabricantes de insumos farmacêuticos; (3) fabricantes de medicamentos;
Regulação até a etapa de secagem/ estabilização da planta;
A planta obtida não pode ser: (1) comercializada para pessoas físicas; (2) vendida à distribuidoras; (3) vendida e entregue para farmácia de manipulação.
A empresa interessada em realizar o cultivo da maconha/ cannabis irá necessitar uma autorização especial, concedida para a ANVISA, e deverá preencher alguns requisitos:
Requisitos Básicos (localização, ocupação, planta arquitetônica, proteção ambiental, segurança geral das instalações e dos trabalhadores por autoridade sanitária local);
Plano de Segurança;
Verificação de antecedentes criminais;
Verificação policial do local onde está situada a empresa;
Sistema de identificação de falhas e desvios, medidas corretivas e preventivas;
O local da empresa não pode ser divulgado ao público;
O acesso deve ser por sistema de bloqueio e controle eletrônico, com portas de segurança e mediante reconhecimento por biometria;
Sistema de dupla porta, com fechamento automático por intertravamento;
Paredes, aberturas, portas, dutos e repasses contruídos com material resistente;
As janelas devem ser lacradas com vidros duplos de segurança;
O perímetro do estabelecimento e os locais onde a planta estiver presente devem possuir sistema de alarme de segurança e de videomonitoramento;
Geradores de energia elétrica independentes
As propostas regulatórias para o registro de medicamentos à base de maconha/ cannabis
Nesse primeiro momento, a ANVISA pretende admitir apenas o registro de medicamentos à base de maconha/ cannabis cuja indicação terapêutica seja restrita a pacientes com doenças debilitantes graves e/ ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica.
São possibilidades extremamente restritivas, deixando de fora inúmeras condições clínicas que podem ser atendidas pela maconha/ cannabis.
Mas é um primeiro passo importantíssimo.
A plantação de maconha/ cannabis no país irá facilitar muito o acesso de cientistas à planta, permitindo a criação de conhecimento a respeito dos benefícios da maconha/ cannabis.
A tendência é que, conforme os burocratas tenham contato com a verdade dos fatos, de que a maconha/ cannabis é uma poderosa substância para a propagação do bem-estar e da qualidade de vida, a legalização e regulamentação, que iniciará como marola, se transforme em um verdadeiro Tsunami.
Apesar de ser tratada como uma substância perigosa, quase como um vírus, é um avanço significativo no debate a respeito da liberação da planta.
Como dito, não há necessidade de aval do governo ou do congresso nacional e, como se pode observar, a ANVISA está bastante adiantada e, parece, propensa a optar pela regulamentação e liberação.
Resultado da Consulta Pública. Liberação do plantio depende de decisão final da diretoria
No dia 20/08 a ANVISA divulgou os resultados da consulta pública sobre suas propostas regulatórias. No total foram 1154 contribuições, com a maioria considerando que as propostas da Anvisa possuem impactos positivos à sociedade.
67,8% consideram que as propostas impactos positivos;
13,4% opinam que as propostas possuem impactos positivos e negativos;
2,3% disseram que as propostas possuem impactos negativos;
16,5% não opinaram.
O que diz o Governo?
O ministro da casa civil, Onyx Lorenzoni, declarou que o governo do presidente Jair Bolsonaro não é contrário à importação do canabidiol nem à sua formulação em medicamentos ou tratamentos de saúde no Brasil.
Porém, de acordo com o ministro, permitir o plantio da maconha no país pode “abrir as portas para a legalização das drogas”.
O ministro da cidadania, Osmar Terra, declarou que a liberação do plantio da cannabis estimula o “consumo generalizado” de drogas (?!?!).
“Se não se controla com a proibição, imagina controlar no detalhe? É o começo da legalização da maconha no Brasil”, disse.
E nós, do Ganja Talks, queremos dar destaque a essa frase do ministro. Fazemos votos de que essa frase possa ser revisitada como profecia realizada. Que essa proposta de regulação proposta pela ANVISA seja realmente o começo da legalização da maconha no país.
Conclusão
Evidente que as proposta regulatórias da ANVISA estão muito distantes do ideal.
Percebemos que a planta ainda é tratada com uma perigosa substância. Mas precisamos olhar para o ‘copo meio cheio’.
Mesmo diante de um governo reacionário no que diz respeito à maconha/ cannabis, vemos que o debate avança, assim como a liberação/ regulação.
Essa situação é um verdadeiro chamado à ação.